quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

A Festa de N.S. do Livramento 2010

Assim como acontece nos textos das memórias do Jeremias Corrêa, da postagem anterior, o ano em Iporanga começa e termina, com as festas durante a passagem do revelion, sendo que o ponto alto das festividades, acontece sempre no dia 31 de dezembro, com a Chegada da Santa, isto tudo, sempre marcado pelas chuvas intensas do verão.



Procissão - Chegada da Santa na rua Carlos Nunes.


No dia de finados, além da lembrança dos mortos, a chuva também é uma coisa certa, por isso, quando o padre marca missa para o cemitério, ele tem sempre um plano "B" alternativo combinado, para que, no caso de chover, a celebração fique automaticamente transferida para a igreja.
A chuva no último dia de dezembro, já foi observada antes da existência das festas de Nossa Senhora em Iporanga. O inglês Richard Francis Burton, em 31 de dezembro de 1865 já havia relatado em seu diário, a ocorrência de segundo ele, um dilúvio nos três dias no meio da passagem de ano. Tal fato provocou certas regras no andamento da cerimonia. Por exemplo existe uma ordem na posição dos andores para o início das procissões desde a chegada da barca até o dia da saída, São Benedito segue na frente, depois São José e por último o andor de Nossa Senhora, qualquer mudança neste sistema pode, conforme diziam os antigos, provocar um aumento muito grande nas chuvas e causar danos ao rio, ao meio ambiente e à vida dos habitantes.

Belo cartaz da festa feito pelo padre Eslawomir.


Existem realmente algumas histórias sobre a rotina da festa e o roteiro da barca, quantas voltas ela dá para fazer as manobras o local exato e até o lado para onde ela gira. Houve uma ocasião em 1985 que foi feito uma festa em abril para que se pudesse fazer um documentário, mesmo assim não foi possível de se evitar as chuvas. Neste mês completamos um ano da postagem feita sobre o evento no ano passado 2009. Aproveitei o gancho para mais uma vez falar sobre a festa, agora para 2010. Antes vou transcrever um histórico sobre a festa escrito pelo meu tio Jeremias e editado pelo nosso amigo Márcio Vieira e Marcelo Domingues da cidade de Tatuí e Sorocaba, que sabem tudo sobre Iporanga.



Documentário produzido sobre a festa de Nossa
Senhora do Livramento em abril de 1985.





Normalmente são publicadas muitas fotos ou vídeos da Chegada
da Santa, mas excepcionalmente este ano a TV Globo (Tribuna)
produziu esta reportagem da Despedida da Santa do ano 2011,
que eu adicionei nesta matéria, para complementar a postagem.

O texto original tem mais de vinte anos, com o título de "A IMAGEM DE NOSSA SENHORA DO LIVRAMENTO A CHEGADA DA BARCA E SUAS ORIGENS". Sobre a barca, de acordo com a opinião do padre João Gomes achou-se por bem dizer barca ao invés de balsa, como se usava dizer através dos tempos, por isso no texto anterior estava escrito balsa e eu substituí por barca começando pelo título. A história reeditada abaixo, começa assim:

Em 1960, me foi narrado pelo saudoso José Desidério, antigo morador da cercania de Iporanga, nascido e criado no bairro do Isídio, a História da Imagem Milagrosa de Nossa Senhora do Livramento e a Chegada da Barca na barra do Ribeirão Iporanga.
A Imagem de Nossa Senhora do Livramento, chegou em Iporanga em 1878, ainda com os primeiros habitantes fundadores daquele que seria o novo povoado de Iporanga, pois a antiga vila localizava-se a uma légua da atual, no sentido ribeirão acima.
A bela imagem foi doada a uma velha senhora de nome Maria, que morava às margens do rio Ribeira, no bairro Isídio. Sendo a velha Maria muito devota de Nossa Senhora, ao mesmo tempo em que vários milagres ocorridos, foram atribuídos à Santa, rapidamente o nome de Nossa Senhora do Livramento,
da imagem milagrosa, ficou conhecida em todas a região e até em lugares mais distantes. Assim sendo a velha Maria, que era muito religiosa, resolveu fazer uma capela no bairro do Isídio em homenagem à Santa e daquela data em diante ela vinha em romaria para a cidade de Iporanga, todos os anos, no último dia de dezembro, com a canoa enfeitada e acompanhada por outras embarcações e sempre a tarde, as 18:00 horas, aportava na barra do Ribeirão Iporanga.
Com o passar dos anos a romaria foi crescendo e os milagres acontecendo. O aumento da população e também o interesse do povo, que sempre foi muito católico e devoto de Nossa senhora, explicam o sucesso alcançado pelo evento.

O Fidalgo Carlos Diogo Nunes
.

No ano de 1890, chegou a Iporanga o Fidalgo, Sr. Carlos Diogo Nunes, o qual se encantou com a romaria, que, valendo-se de seus conhecimentos em embarcação naval, resolveu criar a barca imitando um pequeno navio, com o nome Estrela do Mar, nas cores azul e branco, iguais a da igreja, para transportar a Santa pelo Ribeira.

A barca era composta por três grandes canoas, separadas uma da outra, por um metro de distância, sendo amarradas com cipós pretos de imbé ou timbopéva, extraídos da Mata Atlântica, tarefa executada por grupo de voluntários da comunidade, três dias antes de começar a construção da barca. Geralmente são os mesmos que fazem este trabalho todos os anos, sempre envolvendo pessoas para cozinhar, remar e entrar na mata. Isso tudo gera despesas com pessoas, comida, provisões, cachaça, para até três dias, uma vez que a cada ano o cipó vai ficando mais distante, na direção do centro da mata.

Chegada da San
ta no Porto do Ribeirão.

Por isso, para conter esses gastos, além das dificuldades, riscos, e problemas ambientais, de uns tempos para cá o cipó preto passou a ser substituído por uma corda preta, semelhante ao material original. As canoas, eram talhadas em madeira, não sendo utilizado prego algum na sua confecção, e a barca era emoldurada por tecidos nas cores azul e branco.
Era possível transportar nesta embarcação mais de 50 pessoas, entre devotos, romeiros, padres e banda de música. A festa é considerada a mais bonita de todo o Vale do Ribeira, recebendo romeiros da região e dos lugares mais remotos. Durante quase um século e meio, esta milagrosa imagem sobe e desce o rio Ribeira de Iguape, abençoando a todos os devotos e romeiros.
Segundo o que sabia Honório Corrêa, que em 1900 estava em Iporanga aprendendo as primeiras letras na escola particular de seu padrinho o negro, ex-miliciano Amâncio Felix Valoes, 1901, foi o único ano em que a referida imagem deixou de visitar o encontro das águas na Barra do Ribeirão Iporanga, devido a uma grande enchente, que assolou a cidade de Iporanga naquele ano.

A Barca navegand
o nas águas do Ribeira.

Ainda hoje a barca continua navegando as águas do majestoso Ribeira, trazendo consigo não só fé e a Imagem da Santa, mas também arrastando junto um grande número de mini réplicas da barca, barcos a motor, canoas e boiacross, que às 18:00 horas da tarde de 31 de dezembro, são recebidos por uma grande queima de fogos e uma imensa multidão, que se acotovela e aguarda, no porto da Barra do Ribeirão Iporanga. Após as palavras do Bispo da Diocese, a banda segue com a procissão tocando a mesma música "Salve oh Mãe!" que toca dentro da barca. O andor de São Benedito segue na frente acompanhado pelos andores de São José e Nossa Senhora, até a igreja matriz, pela rua Carlos Nunes, que antigamente era toda enfeitada com palmeiras jussara e bandeirinhas, desde o porto até a igreja.
O mastro da barca, era mais alto antigamente, mas por motivos óbvios foi cortado após a construção da ponte sobre o Ribeira. A balsa passou por uma renovação na festa do Sr. Jeremias de Oliveira Franco, em 1961, quando o Sr. Luiz Nestlhener projetou e construiu o novo modelo, que permanece até hoje. A imagem fica na igreja durante a festa até 2 de janeiro, dia de sua despedida, quando em procissão retorna ao Porto do Ribeirão Iporanga, para em sua despedida esplendorosa, novamente subir o rio Ribeira, deixando para trás o povo acenando com mãos e lenços, num ambiente místico de bençãos, esperança, graças e muita paz.



A Varação
A partir do mês de outubro de 2010, a Comunidade Católica da Paróquia de Santana, com o padre, a Secretária da Educação e a Cultura do município, inclusive o prefeito Gulu, reuniram-se, mais de uma vez para discutir, e até antecipar os procedimentos para realização da grande festa da Chegada da Santa na passagem para o ano novo. A estas alturas já estava resolvido o problema da construção do barracão para guardar materiais da barca, e as canoas que seriam feitas para a montagem da barca já que o antigo barracão que estava sobre o controle da prefeitura e foi incorporado por terceiros, que por motivos de professar outra religião, ou qualquer outro motivo, não permitiram, que as canoas permanecessem mais guardadas naquele local.
Ficou decidido que a festa e o bingo também estariam concentrados ao lado da igreja matriz, na rua Marechal Deodoro da Fonseca, em frente ao estabelecimento do João Batista, onde seria montado a cobertura e o palco para a festa, o bingo, o show e a missa. Os cartazes que fizemos com a colaboração do meu amigo Miguel, no ano passado, neste ano foi assumido pelo padre, que produziu por sua conta um ótimo cartaz, pena que este ano não tenham repetido a divulgação e colagem, que eu e o Gordo Mendes fizemos em todas as igrejas de serra acima, desde Itaoca, Adrianópolis, Ribeira até Ribeirão Branco,Guapiara e voltando por Barra do Chapéu e Apiaí. No ano passado esta tarefa foi feita com o veículo e combustível da paróquia, este ano ainda não houve interesse de alguém que pudesse colaborar com esta divulgação, o que é uma pena pois os cartazes enviados pelo correio nesta época nem sempre chegam a tempo em seu destino, e quando chegam demoram-se muito nas gavetas, de onde geralmente nunca saem. Nesta reunião também ficou claro por parte do Sr. João Batista, que ele responsável por um projeto, e de posse de um pequeno recurso do governo, para fabricação das canoas para a barca, imediadatamnte partiria para execução do projeto. De todos os itens discutidos na preparação da festa, até agora, este foi o que alcançou maior êxito. O João percorreu as matas em busca da madeira ideal, para fazer duas boas e novas canoas. Depois de vários dias de uma busca incansável, chegou a um acordo com o quilombo de São Pedro e Ivapurunduva, para a escolha da madeira e local ideal para entalhar e fazer a varação das canoas, dentro daquelas áreas.

Fotos do Eurico: pela data ainda não teve varação.

A articulação, o trabalho dos mestres canoeiro, que acamparam na mata, para fazer o trabalho e a preparação, a promoção do evento da varação e a adesão de muitos membros das comunidades de Iporanga, dos quilombos e da igreja duraram vários dias, até que finalmente chegou o grande dia. Eu imaginei que: de certo, eu não iria, pois esta aventura, além de dura e perigosa, exige um vigor físico não muito presente, na plenitude, de um quase sexagenário, assim como eu. Convites para a empreitada não faltaram, fui dormir na véspera daquela data e imaginei, que para tudo correr bem, para eles, o tempo tinha que estar bom, mas na passagem da noite para a madrugada deitado no conforto, que cada um só encontra na própria cama e no próprio travesseiro, ouvi o barulho da chuva caindo deliciosamente no meu telhado, virei para o lado e em voz alta pensei:-- Vou dormir de novo que beleza! E continuei pensando:-- Eu não ia mesmo na varação e acho que com essa chuva, não haverá mesmo varação nenhuma.

Eu e o Zé Nunes em uma foto do Eurico.

Em pouco tempo a chuva parou, e por volta das cinco horas ouvi o estouro de um rojão cabeça de macaco, daqueles treme chão, que o pessoal gosta de estourar na política e que também o Shiro adora acender, quando o Corintians perde, ou o São Paulo vence, para descontar um pouco das gozações vinda dos corintianos. O estouro era um sinal para avisar o pessoal envolvido na varação, que era hora de arregaçar as mangas e partir para a jornada, a primeira bomba era para chamar as cozinheiras e as outras eram para o restante do pessoal, foram bombas de 10 em 10 minutos até as 8 horas da manhã. Geralmente as pessoas da minha idade tem o péssimo costume de levantar cedo demais, até aos sábados e ficar atrapalhando o sono dos mais jovens, por isso resolvi descer até a rua para olhar o movimento do pessoal, achava que todos já tinham partido para o quilombo, mas para minha surpresa ainda haviam alguns retardatários, entre eles o Branco e o KaKá, que me convidaram e insistiram, para ir com eles e me garantiram lugar no carro. Pensei um pouco e resolvi logo. Eu vou! Deixo o meu carro em casa e sigo com vocês. Eles foram até a casa do Branco, depois me encontraram no "Fast Food and Drinks", do Doni para depois seguirmos viagem. Encontramos o João Batista voltando para providenciar o almoço, conversamos com ele, que nos incluiu os três, numa lista que já passava de 150 almoços. Seguimos de carro até o antigo acampamento do CPRM próximo do Galvão e de lá seguimos a pé até onde estavam as canoas a espera da varação. Não havia oficialmente nem uma gota de cachaça em poder do pessoal, embora estivessem presentes todos os pingaiadas e os maiores bebedores da freguesia. O João e todos acham, que bebida antes ou no meio da tarefa atrapalha e provoca acidente. É certo que havia lá no meio de toda aquela gente, um ou outro tubo de álcool disfarçado, mas em quantidade insignificante e insuficiente para causar algum dano à missão.

O vídeo varação 01, abaixo mostra o Eurico fazendo esta foto.

No local da largada, depois de muitos fogos, o velho mestre chamou a todos inclusive o padre e os crentes para rezar o Pai Nosso. Depois acompanhados de um ruidoso grito de guerra e amarradas com cordas e seguras pelas mãos da maioria dos quase 180 homens, deslizaram-se e arrastaram-se as canoas por entre as árvores trilhas e riachos, numa explosão de energia e animação, raramente vistos.

Vídeo da Varação 01



Vídeo da Varação 02


Dona Jovita *16/08/1926 +10/12/2010

Estava complementando esta postagem que comecei este mês sobre a festa, quando ainda de manhã fui surpreendido pela notícia de que Dona Jovita havia falecido nesta sexta feira,10/12/10, às 6:30 horas. Apesar de estarmos informados que seu estado era bastante delicado e de tratamento difícil, e que era um mal traiçoeiro, ainda tínhamos esperança de sua recuperação, mas infelizmente, para ela e todos nós, não foi possível vencer a doença ou contrariar o designo de Deus. Dona Jovita era viúva do Sr. Nascimento Sátiro da Silva. Ela muito religiosa, partiu desta vida, numa sexta feira como profetizava a devoção de que todo aquele que cumpre a novena das nove sexta feira, como ela e o Sr. Nascimento cumpriram, teriam sempre a sexta feira como seu último dia. Porém Sr. Nascimento no leito de morte teve um sonho de que uma mulher vestida de branco, segundo ele, talvez fosse Nossa Senhora, disse-lhe que embora ele tivesse feito a novena ele partiria no sábado, por que era o dia do Senhor. E foi o que aconteceu, Nascimento faleceu em um sábado. Dona Jovita tinha muita devoção pela Virgem Santíssima e uma paixão declarada pelas tradições pela banda de música, da qual era madrinha e pela festa de Nossa Senhora do Livramento. Sobre Dona Jovita, um visitante que esteve em Iporanga a alguns anos atrás escreveu:

--Dona Jovita - uma senhora que se parece com uma daquelas matronas bolivianas ou peruanas - matriarca da família que nos acolheu da maneira mais doce e gentil possível, nos oferecendo uma casa maravilhosa para ficarmos e refeições fartas e deliciosas ( até a abobrinha cozida que só minha mãe sabia fazer pude reencontrar aqui), sentou-se conosco à mesa prá nos contar uma deliciosa história: primeiro nos perguntou sobre São Paulo, com ares de certa nostalgia; depois nos contou que visitou a capital pela primeira vez em 1948, quando foi de bonde até Santo Amaro, e que entre 1962 e 1967 lá morou, nos Campos Elíseos, quando foi nomeada para trabalhar numa escola. Gostava da cidade, mas não era muito feliz, pois o marido e a mãe não quiseram se mudar e permaneceram em Iporanga. Essa ausência a angustiava e o pedido de remoção era um processo lento e burocrático, mas certa tarde, ao passar em frente ao Palácio do Governo - que na época era nos Campos Elíseos - mesmo bairro onde ela residia - sentiu-se, de forma quase mística, compelida a procurar o governador. Olhou para os guardas e, provavelmente conduzida pelo anjo da guarda de Iporanga, avançou por portas e portas, sem que ninguém a detivesse ou interrogasse, até chegar a uma que abriu cuidadosamente e viu, atrás de uma mesa enorme, o governador Adhemar de Barros, que a olhou como se já a esperasse e pediu-lhe que entrasse, ouviu sua história, o seu pedido angustiado, e ligou para o Secretário da Educação, escreveu um bilhete de próprios punho, que ela levou na Secretaria da Educação, o Secretário leu ligou para o setor de publicações e dois dias depois, soube por colegas funcionários da escola, que leram o Diário Oficial, que ela, Dona Jovita, os estava deixando numa remoção para Iporanga. Apesar do lamento dos demais funcionários, da escola, de São Paulo, em poucos dias ela estava de volta a Iporanga, de onde nunca mais saiu.
Entrevista na TV-2009

O videoclipe acima em uma entrevista com a Rosana Valle, da TV Tribuna, é uma singela homenagem e agradável lembrança da Dona Jovita, que mesmo ausente, do nosso meio, continuará sendo para nós, uma das nossas maiores referências.