terça-feira, 22 de junho de 2010

A torre branca da matriz de Iporanga, a esquerda o morro Baú-1960


Memórias dos Caboclos em Iporanga

Outro dia estávamos conversando, na sala, eu e minha mãe Flauzina Corrêa, em casa na praça Honório Corrêa, a porta estava aberta, como sempre, quando de repente entrou o Roberto carteiro com as nossas correspondências rotineiras, mas entre elas um volume; um Sedex endereçado para minha mãe, que imediatamente eu abri com o consentimento dela, e para surpresa nossa ali estava um belo livro de capa colorida, recheado com 190 páginas contendo memórias vividas e escritas por meu tio Jeremias Corrêa (Jeremias Caboclo); histórias na maior parte acontecidas em Iporanga, desde o nascimento do Jeremias em 1938, no bairro Caboclos, até o ano de 1966, quando após o final da festa de N.S. do Livramento de 31 de dezembro, eu e meu tio Jeremias deixamos Iporanga e partimos definitivamente para São Paulo onde seguimos nossos rumos, cada um no seu destino, viagem que ele relata em um trecho do mencionado livro, que tem o título de: " Memórias de um Caboclo de Iporanga", conforme trecho reproduzido abaixo:

Raul, irmão do Olívio, João Carlos e D. Áurea do Batistinha.

" No dia 02 de janeiro de 1967, deixo a companhia de meus pais em Iporanga e venho para São Paulo, em um velho caminhão Chevrolet Tigre, veículo este, que pertencia ao nosso amigo Olívio ( Obs. do Alberto: Olívio padeiro da cidade, que depois passou a padaria para o irmão Raul, eram irmãos da Dona Áurea casada com o Batistinha, dono do Alambique do Parado, de onde saia a deliciosa pinga Palmeira, eram irmãos também do João Carlos, este último que numa noite trágica, após tomar uns goles afogou-se, com mais dois amigos em uma canoa na cachoeira do Custódio, quando remavam no rio Ribeira de Iguape, um deles o remador e sanfoneiro, o Criolão muito forte e sorridente de nome Militão, o único que não estava de botas, por isso conseguiu nadar nas corredeiras em meio a escuridão, agarrar-se nas ramagens espinhentas de um Maricá e salvar-se após duas horas tentando livrar-se da correnteza, e do emaranhado de espinhos).

Foto de ilustres iporanguenses no final dos anos 60 - Em pé: Crismâncio(policial), Nho Mendes(IBGE), Juquica (vereador na Barra), Tonhão, Roberto(policial) e o Gentil(cartório) - Sentados: Cavalcanti(prefeito de Barra do Turvo), Konesuk(escrivão), Jeremias (prefeito de Iporanga), Zé Totó(secretário municipal),prof.Arlindo Cunha (presidente do clube na praça Luis Nestlhener) Jucy filha do prof. Camilo Calabres e a Zoraide filha do Sr. Fermino Batista.


Embarcamos no velho caminhão para Apiaí eu e o Beto, meu sobrinho que ainda era menor de idade.
( Obs. do Alberto: Meu tio não se lembrou de dizer que em determinado ponto da estrada nós tivemos que carregar lenha no caminhão, para compensar a gentileza da carona; e que nós viajamos em cima daquela carga, que também descarregamos no final da viajem. Conclusão: chegamos no local do pernoite cobertos de carvão) Pernoitamos no hotel Apiaí, eu e o Beto

. No dia seguinte 3 de janeiro às 6 horas da manhã embarcamos no ônibus da empresa N.S. da Penha, Apiaí - São Paulo, e naquele mesmo dia às 6 horas da tarde nós já estávamos em São Paulo na rua Souza Lima, 300 - Barra Funda, onde habitamos nos anos 1967, 1968, 1969.

Eu, Alberto, fiquei visivelmente impressionado por ver materializado ali uma obra feita a partir de um diário e de textos avulsos produzidos e guardados cuidadosamente em um baú através do tempo, agora finalmente compilado e editado pelo amigo Reinado Bogomolow, admirador de Iporanga e do Jeremias.

Eu (Alberto) e o Jeremias, na rua Pedro Silva em 1961


Já no prefácio,
muito bem redigido pelo Reinaldo; ele escreve em determinado trecho:
Um dos motivos que nos levaram a produção do livro juntamente com amigos que foram
colaboradores, foi termos ficado fascinados com o rico registro de história humana, social e até politico de algumas de suas passagens ali relatadas. Encantou a “veia poética” deste nosso caboclo, companheiro de diversas trilhas por rios e cavernas na “cidade tesouro”que é Iporanga. Outro motivo é o de reconhecimento ao seu imenso valor como ser humano extraordinário que ele é, e desta maneira fazer a justa homenagem a este nosso querido amigo, escritor e poeta, que tem em sua obra, o mesmo que ele carrega em seu ser, ou seja: a beleza e singeleza das pessoas de alma pura e bondosa, que estão sempre dispostas de forma hospitaleira, a abrir seu coração para abrigar mais outras pessoas em seu rol de amizades. É assim que vemos o Jeremias.

Para começarmos a leitura é necessário incorporarmos o espírito de simplicidade, ou não entenderemos o significado da obra. No livro aprendemos sobre política, história, sociologia, religiosidade e sobrevivência, isto tudo na prática e na ótica de uma pessoa.

Em sua explicação, o Reinaldo ressalta que a intenção é de se fazer entender a obra pelo imaginativo do leitor nas questões de um Brasil caboclo e brejeiro, já em extinção. Lembra que pessoas simples em sua maioria construíram nosso país.

Prefeito Gulu entre bons cantores no rodeio.

Sentei na calçada junto a porta da nossa casa e continuei folheando as páginas do livro. Notei que ali desfilavam vários personagens e relatava fatos e acontecimentos importantes no resgate da história de Iporanga, na maior parte do século XX. Mamãe se mostrou muito interessada de ler o conteúdo, antes de mim, mas acabou abrindo mão da prioridade deixando-me livre para começar a leitura para valer. Passados alguns minutos vi o nosso amigo Gulu ( atual prefeito de Iporanga) entrar no salão da cabeleireira Vanda para cortar o cabelo, caminhei alguns metros para mostrar-lhe o livro e fazer algum comentário sobre o conteúdo; acabei deixando que ele pudesse folhear e ler um pouco durante o tempo em que ele iria permanecer no salão. Porém da minha janela fiquei observando para ver quando ele saia, para não ocorrer que ele ao ir embora, distraidamente, levasse consigo o livro. Fui na porta do estabelecimento para recuperar o livro, o Gulu resistiu um pouco antes de fazer a devolução dizendo: - Eu gostaria de levar o livro e continuar a leitura pois eu gosto de ler sobre coisas da história de Iporanga. Então respondi que mamãe ainda não leu, mas assim que ela ler (e no meu pensamento, eu também) entrego na sua mão.

Clodoaldo no trabalho.

É certo que vou cumprir a promessa, mas fiquei pensando, só possuímos um único exemplar de uma obra que todos gostariam de ler ao mesmo tempo, passar de mão em mão, não daria a oportunidade para que todos pudessem ter acesso ao conteúdo ao mesmo tempo, ainda mais se alguns ao invés de ler guardassem o livro na gaveta da mesa ou no porta-luvas do carro, assim como o meu amigo Clodoaldo, para quem eu emprestei o livro Aguapés Flutuam no Ribeira, do professor José de Sousa Ferraz, romance que tem como cenário Iporanga dos anos vinte no século passado, e que ele fez muita questão de ler, mas até agora não leu, já se passaram seis meses, e todas as vezes que eu pergunto me diz:- Oh! Albertão...! Só mais uma semana…E assim vai…Nada de ler. 2011 talvez.
Por tudo isso resolvi extrair a essência dos textos que estão relacionados a Iporanga e colocar no meu blog, Iporanga em foco, na internet para que todos pudessem ler ao mesmo tempo. Peguei o telefone e liguei para o meu tio Jeremias, que me deixou a vontade para publicar o que quisesse no blog. E por isso daqui em diante passo a reproduzir nesta primeira postagem, além da apresentação do autor, e da obra, o começo da publicação, daquela parte do diário, que relata a sua atuação no recenseamento de Iporanga no ano de 1960. Achei interessante começar por esta parte, pois trata-se de uma experiência que eu já vivi, porém com intensidade menor, pois eu coordenei o censo no município no ano de 2007, quando fomos pioneiros no primeiro censo totalmente informatizado no Brasil, e no mundo, onde alcançamos sucesso absoluto, e também porque os Caboclos já tem uma história vivida junto com o censo em diferentes gerações e épocas, pois meu avô Honório Corrêa fez o censo no começo dos anos 1900, o meu tio Jeremias Corrêa fez o de 1960 e eu, Alberto Corrêa o de 2007, e vamos em frente com o conteúdo muito bom deste diário mostrado a seguir.


Jeremias Corrêa,

Das páginas de “Memórias de um Caboclo de Iporanga

Ao lado Jeremias Corrêa
e abaixo bairro Caboclos em 1972

Apresentação

Eu Jeremias Corrêa, Nasci no dia 31 de julho de 1938, no bairro Caboclos dos Henriques, em Iporanga, sou filho do Sr. Honório Henriques Corrêa e resolvi por inspiração divina, escrever sobre todos os lugares por onde passei noites e dias amargos e doces em minha vida, nestes meus mais de setenta anos bem vividos, Graças a Deus e a intercessão de Nossa Senhora.

A minha história eu começo a narrar da seguinte maneira: No dia seguinte após o meu nascimento, passando da meia noite, meu pai Honório Corrêa, foi até a casa de D. Luísa, no bairro vizinho de nome Manjolinho, e pediu para que ela viesse até nossa casa no bairro Caboclos, onde chegaram as duas horas da madrugada para me amamentar. D.Luísa, era esposa do Sr. José Rodrigues, o José Velho. Foi ai, então quando ela tornou-se minha mãe de leite.

(Obs. do Alberto: Minha mãe Flauzina Corrêa me disse que sua mãe, Eugenia não tinha leite para amamentar o bebe, e que esta minha avó também tinha um tumor na mama, naquela época não se falava em câncer, mas ela só curou o seio depois de um longo tratamento com folha de Malva, receitada por um tal Miranda viajante que sempre se hospedava na casa dos Caboclos, que era pousada de tropeiros no bairro Caboclos).

Vivi no bairro onde nasci, próximo de belíssimas cavernas e ao lado das corredeiras do Farto com minha família, até o final de 1939, pois no começo de 1940, meu pai alugou uma casa em Iporanga no antigo final da rua Pedro Silva, propriedade do Rochinha. Ali permaneci todo o ano de 1940 onde fui atacado pela malária, sarampo e tosse cumprida, papai começou uma pequena chácara, distante um quilometro ladeando o riacho do Fundão, onde moramos até o ano de 1946, nesta época nos dois últimos anos vinhamos nos hospedar na casa do Sr. Joaquim Evaristo e Dona Joana na praça da Matriz, Junto a direita da descida da escada do porto do Ribeirão. No ano de 1947, dia 4 de Janeiro, meu pai alugou a casa do Sr. Amâncio Ferro, na rua Pedro Silva, para onde mudamos no mesmo ano, deixando para trás a velha casa coberta de sapé no Fundão. Entrei na escola em 16 de fevereiro de 1947. Permaneci na casa da rua Pedro Silva nº 42, até o ano de 1954, quando fui ajudar meu cunhado José de Lima ( Juca Bernardo) no Faxinal a uma légua de Iporanga, na encosta da Serra de Paranapiacaba. Ficávamos em um paiol: eu, meu cunhado, minha irmã Rosa e meu sobrinho João Cocão, que hoje reside em Salvador Bahia.

João Cocão tomando drink em Salvador, o local é junto ao Pelourinho

No mesmo ano voltei para a rua Pedro Silvanº 42, onde fiquei até março de 1959, quando fui com minha irmã Flauzina para o Embu Guaçu, para trabalhar de balconista na loja de roupas dela. Fiquei até o fim de maio quando o estabelecimento foi vendido. Fui para o Embu das Artes, onde trabalhei na fábrica de papel Lasbeker, por um mês. Em 15 de junho retornei a Iporanga e para a rua Pedro Silva nº 42, até o fim de 1959, quando em 12 de Janeiro de 1960 mudamos para uma casa na praça das Bandeiras 100( hoje praça Honório Corrêa)imóvel que meu pai comprou do Sr. Luis Nestlhener , onde fiquei trabalhando autônomo no conserto de rádio, até primeiro de agosto de 1960, quando fui convidado por Pedro Mendes ( Nho Mendes), para fazer o setor rural do VI recenseamento geral do Brasil, sessão de Iporanga, ocasião que completei 22 anos de idade.


O Recenseamento

No dia 31 de julho de 1960, meu aniversário, preparei meus apetrechos, roupas, uma pasta marrom, um revolver, uma capa, um relógio, e assim, no dia seguinte, lá fui eu, naquele inesquecível primeiro de agosto de 1960. Saí de Iporanga com o sol despontando no morro do Baú. Eu seguia o rio Iporanga, rio acima, deixando minha pequena Iporanga para trás. O meu destino era o bairro Caboclos, onde eu havia nascido, mas quando já havia andado mais de um quilometro próximo do Pinheirinho fui alcançado por um mensageiro que me disse para eu voltar a Iporanga, pois os trabalhos do censo só teriam início em primeiro de setembro. Voltei e aguardei a data para começar os trabalhos, mas antes fui obrigado a fazer duas semanas de estudos na agência de estatística (IBGE), em Iporanga, a fim de ficar preparado para o meu serviço. No dia primeiro de Setembro, as 8 horas da manhã, me despedi de meus pais e parti para aquela jornada a serviço do governo federal.Caminhei por lugares inóspitos até o dia 12 de dezembro no termino dos trabalhos.

O começo do meu trabalho foi no bairro Macacos, atravessei o ribeirão Iporanga e fui apreciando a bela paisagem do ribeirão, ali no bairro Bicas.

Depois dos papeis feitos no bairro das Bicas, chego já a tardinha no bairro Ribeirão, ali anoiteci, fiz meus trabalhos e pedi um pouso na casa do Sr. Eduardo Rodrigues de Queiros (Eduardo Feio) e fui prontamente atendido por ele e por sua senhora, Dona Pedra. Era o dia 2 de Setembro, ali dormi numa cama boa, depois de um delicioso jantar.

No outro dia , já 3 de setembro após um delicioso café e das despedidas, fui pelo caminho afora. Cheguei ainda cedo próximo das nascentes do ribeirão Iporanga e passei para o outro lado do rio e continuei minha grande caminhada. Segui o caminho do bairro Passa-vinte, e ali fiz meus trabalhos e já a noite cheguei a casa do meu primo, Antônio Henriques Pedroso. (Antônio Atanásio) onde pedi um pouso e dormi na casa deste, ao lado do Ribeirãozinho (Onde era a casa do patriarca da nossa família Salvador Henriques). Já era o dia 4 de setembro de 1960.

Morro do Chumbo, João Florindo Moura (João do Chumbo), sentado sobre o touro Maruco, também na foto, o loro Purrupaco, nome com origem nos versos: currupaco/papaco/a mulher do macaco/ela pula/ela dança/ela fuma tabaco. Vemos o mascote nas mãos da filha Jaudeli do João(para o nome desta filha ele se inspirou em uma pedra que ele jogou no rio e fez o ruído jau!!). Este papagaio era muito bravo, voava de seu puleiro e atacava as pessoas que chegavam na propridade como se fosse um cão de guarda, certo dia atacou, um Sr. conhecido como Chico Preto, de uma propriedade vizinha, no Camargo; ele roçava o caminho e para defender-se atingiu a ave com a foice. Apesar de ter sido socorrido, o animal nunca mais conseguiu ser totalmente curado, das sequelas do ferimento e acabou morrendo antes da velhice, que dizem ser 100 anos.

Sai dali cedo e continuei meus trabalhos até o anoitecer daquele dia 4 e a noite chego na casa vdo Laurentino Henriques Corrêa (Loro), onde muito cansado, pedi um pouso e ali pernoitei.

Da casa do Laurentino (Loro) , sai as 10 horas do dia 5, e fui para a casa do último morador do bairro, Sr. João Florindo de Moura (João do Chumbo) onde cheguei já no meio dia, e tomei um café com o João do Chumbo.

Deixei a casa do João do Chumbo debaixo de um sol forte, tomei a trilha da grande serra do Chumbo e já as três horas, vi a mesma serra para o outro lado, chegando ao riacho do Monjolinho.

Sai do bairro Monjolinho que ficou para trás a esquerda seguindo na direção dos Caboclos, onde eu havia nascido há 22 anos atrás.

As 4 horas já estava na casa do Sr. José Pinto: ele mandou que eu voltasse pelo mesmo caminho, mas achei melhor pegar a estrada vicinal de 15 quilômetros, que chegava a estrada de rodagem Raposo Tavares, estrada que ligava São Paulo – Paraná, imaginei que pudesse com um pouco de sorte pegar uma carona para a cidade de Apiaí, e de lá para Iporanga.

No meu relógio marcava 5 horas da tarde, com o sol já para entrar no horizonte.

Por isso coloquei os pés na estrada, embora já estivesse bastante cansado. As 8 horas da noite cheguei na estrada São Paulo – Paraná, no quilometro 13, numa noite escura, mas muito bonita de céu estrelado. Me enganei ao chegar na estrada e segui na direção de Guapiara ao invés de seguir no sentido Apiaí, que era o meu destino. Quando percebi, já havia andado 5 quilômetros e voltei já muito cansado, entrei em um grande bueiro da rodovia para descansar um pouco, naquele local passei muito medo, pois estava sozinho, e quando passava os caminhões, parecia que tudo aquilo viria abaixo e me esmagaria naquela escuridão, meu farolete estava com as pilhas muito fracas, e já eram 23 horas no meu relógio de pulso.

Cochilei um pouco, mas acordei com um tremido forte do bueiro por haver passado naquela hora acima um grande caminhão,

Com o fraco farolete, olhei no relógio que marcava quase uma hora daquela madrugada do dia 5 de Setembro de 1960. Com frio, fome,sede e cansado, sai novamente estrada afora sempre pensando em Deus e Nossa Senhora.

Corri com muito cuidado e atento nos caminhões, que além de não dar uma carona, ainda ameaçavam vir sobre mim. Eu estava a quase 40 quilômetros de Apiaí, que era o meu destino. Naquele trecho da estrada não encontrei uma viva alma, a não ser alguns latidos de cães. Somente a tarde, depois caminhar sob um sol escaldante cheguei finalmente em Apiaí, onde as 3 horas da tarde pude pegar a jardineira (ônibus antigo também conhecido por cascudo) de Iporanga.

José Marques, Juca Esperto e as jardineiras (cascudo)

O motorista da jardineira era o ex-soldado José Marques da Silva, e o cobrador era o José Eulálio Nunes (Juca Esperto – o apelido era porque ele comprava os peixes em Iporanga - principalmente traíras, cascudos e aniãs, hoje em extinção- por 15 cruzeiros e vendia a 30 ). As 5 horas daquele dramático dia 6 cheguei a Iporanga na casa do meu pai, a velha casa da praça da Bandeira, nº 100 e do dia 6 a 10 fiquei na companhia da minha mãe saboreando a nossa comida caseira.

E sigo para a continuação dos meus trabalhos no primeiro setor, desta vez no vale do rio Pilões. Logo as 7 horas daquela bela manhã, atravessei novamente o ribeirão Iporanga e às 9 horas subia o alto do Baú, com sob um sol escaldante e fiz meu trabalho nos bairros Caracol, Tudo e Baú, depois pedi para passar a noite na casa do meu amigo e muito boa pessoa, José Chumbo (José Benedito Dias de Oliveira), que prontamente me acolheu. Na manhã seguinte tomei o café oferecido pelo anfitrião e segui sempre andado a pé, rumo ao bairro Feital, onde fiz meus trabalhos do VI Recenseamento Geral do Brasil, de Iporanga São Paulo.

Depois dos meus trabalhos no bairro Feital, começo a subir a serra da Inveja, já a tardinha chego ao bairro da Inveja, com chuva. Fui dormir naquele dia 12 de setembro de 1960, na casa do Chiquinho da Inveja, pai do Joaquim Romão.

Eu estava tão cansado, que nem jantar eu quis, sai cedo a margem esquerda do rio Pilões. Fiz ali meu trabalho no bairro Baixo, bairro dos Fogaças, e mais tarde jantei na casa do do Sr. Abadias Dias Rodrigues, uma boa pessoa daquele local, ao anoitecer hospedei-me naquele dia 13, na casa do Senhor Henrique Dias Rodrigues (Henriquinho).

No dia seguinte depois do café na casa do Henriquinho andei rumo ao caminho do bairro Maria Rosa, por uma trilha que seguia subindo pela margem esquerda pedregosa do rio Pilões e ao meio dia cheguei no bairro Maria Rosa, ali passei a noite na casa do Sr.José Dias e após fazer o trabalho fui para o bairro Amoral, sempre subindo o rio, fiz o trabalho e fui pernoitar na casa do Sr. Maximiliano Rodrigues, que era uma pessoa de idade avançada, cego do olho direito, (o mesmo que Camões), o velhinho era uma ótima pessoa, dele tenho boas recordações, sua moradia era a última do bairro Amoral, já na travessia do rio para a outra margem. Saí daquela casa na manhã de 16 de setembro de 1960.

O Sr. Maximiliano me acompanhou para a travessia do rio por uma ladeira pedregosa para que eu não perdesse a trilha. Cheguei próximo da água do rio Pilões que naquele local tinha aproximadamente 50 metros de largura, nos despedimos e eu atravessei a correnteza a pé, o rio estava cheio e correntoso meu relógio de pulso marcava 9 horas e já chovia um pouco. Segui mata adentro e rio acima, em mata fechada em meio a um atoleiro muito ruim, por mais de 2 horas, até que cheguei a uma clareira no meio daquela selva onde estava um paiol, coberto de folhas de jussara, nele morava o Sr. Antônio Freitas, o local por mais estranho que pareça tinha o nome de Formoso. Fiz o recenseamento dele e pedi algumas informações e segui em frente naquela trilha inóspita por mais de 2 horas, era dia 16 de setembro. Andei mais 2 horas em um lugar de nome Ribeirão Grande, ate encontrar a encruzilhada do Areado e Fundão.

Andei muito ainda, até que a noitinha, já com chuva, cheguei a casa do José Borges, um pequeno casebre coberto de palha, onde pedi pouso e fui atendido.

Levantei de manhã bem cedinho o sol brilhava era 17 de setembro, segui o caminho para a serra do Areado e Sítio dos Buenos, onde fiz meu trabalho de recenseador, fui recebido na casa do Sr. Manoel Bueno, conhecido por Manoel da Lambança.

Na manhã seguinte, peguei o caminho para o bairro Capinzal, divisa do município de Iporanga com Guapiara, ao meio-dia eu já estava vencendo a grande serra do Areado, chegando ao bairro Capinzal, onde permaneci fazendo meus trabalhos passei aquela noite de 18 de abril desfrutando a hospitalidade da casa do Sr. José Nicolau, onde fui muito bem recebido. O Capinzal está a mais de 60 quilômetros de Iporanga, admirei aquele local na extremidade do município e tão distante para meus pés. Com mais um dia de serviço, eu terminaria aquele trabalho e entregaria pronto. 19 de setembro fui até o povoadinho Lageado, naquele sertão não vi nenhuma onça ou qualquer fera. Mas vi rastos dos grandes felinos e vestígios de outros animais, já muito cansado, dormi na casa do Sr. João Furquim, e dali voltei já no dia 20 de setembro começando a viagem de volta para Iporanga.

De volta, passei na casa do Sr. Bida, na Água Fria, e assim prossegui no meu caminho de volta, dormi no bairro Formoso, desta vez, na casa do Sr. João Freitas sai dali de manhã muito cedo, pois já sabia das dificuldades que enfrentaria no caminho de volta para Iporanga.

Peguei meus apetrechos, e debaixo de chuva, me coloquei a caminho de Iporanga, andando pela trilha de trechos com atoleiros e outros pedregosos e no meio da escuridão da atmosfera nebulosa pelo mau tempo somado à sombra da floresta.

Atravessei o rio Pilões, que já estava bastante cheio, o meu relógio naquele momento marcava 10 horas do dia 21 de setembro.

Fiz uma marcha só até chegar a Iporanga, era grande minha alegria de retornar para casa que até não senti cansaço naquele caminho de sobe e desce, nem fome senti naquela viagem.

Chegando ao bairro Caracol, encontrei um pequeno rebanho de gado zebu no caminho e preferi não arriscar fazer a passagem entre os bois, optei por voltar e pegar o caminho pelo Feital, aumentando em 5 quilômetros a distância a ser percorrida para chegar na sede do município, mas graças a Deus, cheguei ao alto do Baú, de onde avistei as luzes da cidade. Cheguei a Iporanga às 10 horas da noite, ao som de auto falantes.

O serviço de auto falante, “A voz de Iporanga” , encerrava os seus serviços de músicas e gravações variadas as 22 horas fechando a noite com a Valsa Aurora, assim eu cheguei à casa de meus pais, naquele começo de primavera do dia 11 de setembro de 1960, onde permaneci até passar o 3 de outubro, dia das eleições para Presidente da República.


Só no dia 7 saí de Iporanga novamente, desta vez para fazer o Segundo setor do recenseamento na região do vale do rio Pilões, eu com todos os meus apetrechos: a pasta marrom, etc., saí de casa bem cedinho com o sol despontando lá pelas bandas das Queimadas

Novamente subi o alto do Baú, e às 9 horas naquela manhã eu via Iporanga ficar para trás com suas chaminés dos fogões a lenha de onde subiam fumaça que se dissipavam no céu.

Virei o alto do Baú, e fui dormir no bairro Poço Grande, na casa do Sr. Celestino, homem de bom coração, a partir daquela casa recomecei o trabalho do VI Recenseamento Geral de 1960.

Depois de concluídos meus trabalhos no bairro Poço Grande, saí dali rumo ao bairro dos Rocha, parta a casa do Sr. Rochinha, onde fiz meus trabalhos, me despedi daquela boa família e fui para o bairro Porto dos Pilões, cheguei a tardinha e dormi na casa do Sr. Alfredo Candoca em 8 de setembro.

Eu(Alberto) e a Rose, Dito Paca, Benjamim e filha, no Porto dos Pilões

No dia 9 de outubro, fiz meus trabalhos no Porto dos Pilões, depois subi o rio Pilões e fui para o bairro Santana, cheguei a tarde e fiz meu trabalho, e também nos bairros: Santaninha, Córrego Sujo, Bracinho e Sítio do Leite, e quase a noite parti para o bairro Lapinha, onde me hospedei na casa do Alceu.

O Alceu era um ex-pracinha, expedicionário do Brasil, veterano do Exército, que combateu em Monte Castelo contra os nazistas na segunda grande Guerra.

Voltei ao Porto dos Pilões no dia 10 de outubro, bem cedo, debaixo de chuva, ao chegar peguei o caminho do bairro dos Javalis rio Pilões abaixo, fiz meu trabalho e segui depois ao anoitecer, já no escuro, para o bairro do São Pedro. Tentei no meio de uma chuva forte atravessar o rio Pilões, que estava muito cheio e furioso, cheguei quase no meio do rio e voltei, dormi ali mesmo em um velho paiol, numa roça de arroz, sob uma chuva torrencial.

No dia 11 de outubro, atravesso o rio pilões, faço meu trabalho de recenseamento, sessão Iporanga, no bairro São Pedro, e de lá sigo o rio Pilões abaixo até chegar a barra do Pilões, onde termino meus trabalhos daquele local. Ainda era cedo, por volta de 10 horas consegui pegar uma carona de canoa com o Sr. Eduardo Pupo e rumamos para Iporanga pelo Ribeira, remando rio acima.

Remador conduzindo canoa no rio Ribeira, entre a barra do rio Pilões e Ivaporunduva


Foi quase um dia sentado dentro de uma incômoda canoa, até que graças a Deus, chegamos são e salvos à Iporanga, e finalmente bem a tardinha eu e o Sr. Eduardo Pupo e seu irmão João Pupo chegamos ao porto do Ribeirão Iporanga e ali subimos o velho escadão de pedra, monumento que atravessou séculos sendo a principal entrada da cidade. Despedi-me daqueles remadores, gente boa, humildes, simples. Eu muito cansado atravesso Iporanga pelo meio, rumando para a casa do meu pais onde após o jantar fui dormir para amenizar o cansaço. Era 20 de outubro e só voltei a fazer o recenseamento do terceiro setor , vale do Betari e Ribeira acima a partir de 20 de outubro de 1960, quando sai a campo novamente.

Mariazica ia para Bombas

É dia 20, pego a jardineira às 8 horas da manhã e vou embarcado até o bairro do Betari de Baixo, onde desembarquei do veículo e atravessei a pé o rio Betari, para pegar o caminho para o bairro Bombas, e quando eram 9 horas eu já estava subindo o morrão escorregadio e lamacento das Bombas, debaixo de uma chuva intensa. Apesar das dificuldades, consegui chegar ao bairro Bombas e chegar na casa do Fernando, que era marido da minha prima Mariazica, onde aceitei o convite para ocupar um lugar junto a mesa, em companhia do casal para almoçar, em seguida fiz meus trabalhos naquele local e rumei para o bairro Pinheirinho, onde dormi na casa do Sr. Gonçalo, participei do jantar na agradável companhia daquela família.

No dia 21 de outubro segui para o bairro da Cotia Grande e Lagoa, onde almocei na casa do Sr. Quirino Peniche, e de lá segui para o bairro dos Marinho, rio da caça e Anta Gorda, onde dormi já muito cansado.

Sr.Quirino Peniche ao lado do padre Vitor da rádio Aparecida

Dia 22 de outubro, consegui finalmente chegar até a divisa entre o município de Iporanga e Apiaí, e lá dormi na casa do Sr. José Bonato e no dia 23 saí dali do bairro Porto de Apiaí e regressei para Iporanga, após dormir o dia 23 na casa do Sr. Mandi, tomar café de manhã bem cedo e seguir direto para Iporanga, onde cheguei a tarde e permaneci até o dia 31 de outubro de 1960.

Primeiro de novembro, peguei novamente a jardineira em Iporanga e vou desembarcar lá no bairro Furnas (Antiga mineração), faço meus trabalhos de recenseador e pego a direção do bairro Lageado. Andei 15 quilômetros pela estrada de rodagem secundária e cheguei ao Lageado, para pernoitar na casa do Sr. Arnaldo de Moura, era primeiro de novembro, dia de todos os santos. Na manhã seguinte, 2 de novembro, dia de finados, fiz meu trabalho no bairro e já um pouco tarde , subi a serra do Sem fim e cheguei a noite na casa da minha madrinha Antoninha, viúva do meu estimado padrinho Redocino de Moura, e lá, eu muito cansado, jantei e pernoitei na casa da minha madrinha. Na manhã seguinte me despedi daquela gente, desci a serra e cheguei ao meio dia à Estrada Iporanga-Apiaì. Andei a pé uns 13 quilômetros até que avistei a torre branca da igreja de Iporanga e em pouco tempo cheguei novamente na casa dos meus pais. Descansei até o dia 20 de novembro, aborrecido por não ter ainda recebido nenhum dinheiro ao menos para ajuda de custo, e por isso já endividado, voltei ao trabalho A esta altura o atraso nos pagamentos do IBGE, já chegava a dois meses, mas no dia 21 de novembro, saí novamente para terminar um serviço do terceiro setor Ribeira acima, até a barra do rio Pardo.

Peguei carona de canoa com dois bons remadores, que eram: o Gonçalo Preto e o Dito Gonçalves, saímos às 7 horas daquela bela manhã rumo ao Descalvado, antes porem passamos no Funil de Cima, já bem á tardinha, eu já muito cansado daquela viagem incômoda, sentado no fundo da canoa, já quase escurecendo desembarquei da canoa e subi a pé por uma trilha muito ruim, naquela mata, depois na escuridão da noite, fui surpreendido por uma violenta tempestade, com trovões, raios e granizo, mas debaixo de chuva, graças a Deus, consegui atravessar a floresta e chegar do outro lado da serra de onde comecei a ouvir o barulho da cachoeira do Descalvado.

Sr. Carlos Guilherme Becker e o alemão, que gostava de
Iporanga, Sr. Luiz Kruger, com a serpente na Pedro Silva.


Era bem noite quando cheguei ao porto no bairro da Praia Grande, atravessei de canoa para a outra margem do Ribeira, e fui até a beira do rio Pardo, na divisa entre os estados de São Paulo e Paraná. Fiz meus trabalhos hospedado ali na casa do meu amigo, Carlos Guilherme Becker, onde fui dormir as 22 horas muito cansado. No dia seguinte volto á barra do rio Pardo e vou dormir na casa do Sr. Carlos Guedes, uma ótima pessoa, e de manhã, no dia 23 após o café e concluídos os trabalhos o Sr. Carlos com sua canoa me transportou para o outro lado do Ribeira, despedi-me do bom anfitrião e fiquei trabalhando com meus papeis no bairro Descalvado o dia todo.



Sr.Joaquim Gonçalves, jovem; festa do Bom
Jesus
em Iguape; viajem de canoa; anos 30

Fiquei no Descalvado, na casa do Sr. Joaquim Gonçalves, naquele dia 23 de novembro de 1960, me despedi do Sr. Joaquim Gonçalves depois de um café caprichado, e segui Ribeira abaixo pela margem esquerda, era dia 24, e depois dos meus trabalhos no Funil de Cima do Descalvado, cheguei a tardinha no bairro Isidio, onde pedi pouso na casa do Sr. Desidério, senhor com idade avançada. Jantei com aquela família e depois de passar a noite, na manhã seguinte bem cedo, após tomar o café, no dia 25 de novembro, fiz meus trabalhos do bairro Isidio, peguei meu material trabalho e objetos de viajem e segui, sempre margeando a beleza do rio Ribeira de Iguape.

Cheguei no ao bairro São João, fiz meu trabalho quase no fim daquele dia, era o ultimo trabalho que faltava para terminar o setor na barra do Betari.

Desci de canoa até o rio Betari, o canoeiro era o jovem Carmelino, que me trouxe à barra do Betari, onde cheguei ao anoitecer. Desembarquei e com 20 minutos eu já estava na Estrada de rodagem e com grande alegria eu avistava a torre branca da igreja matriz de Iporanga. Em alguns minutos eu cheguei na casa dos meus pais, anoitecendo, tomei as bençãos, jantei, dormi, descansei, revisei e concluí meus trabalhos que terminei no dia 12 de dezembro de 1960, quando entreguei o que faltava dos serviços do VI Recenseamento Geral do Brasil, realizado por mim, trabalho feito com sofrimento e dedicação, experiência, para mim inesquecível,

Muito triste por não ter ainda recebido pelos trabalho e pressionado por algumas dívidas, voltei a trabalhar no conserto de rádios a válvula, que era meu ofício, arrecadando no mês 3 mil cruzeiros.

Só com a queda do Presidente Jânio Quadros, em 24 de agosto de 1961, pude recuperar o meu otimismo em relação ao resgate do dinheiro que me cabia pelos serviços prestados ao IBGE, porque eu tinha certeza que o Presidente João Goulart tomaria as providências necessários para que fossem pago o dinheiro do recenseamento de 1960.

Foi exatamente o que aconteceu, depois de um mês da queda do Presidente Jânio Quadros, nós os recenseadores de Iporanga fomos chamados para ir na agência de estatísticas (IBGE) de Iporanga a fim de receber o dinheiro do recenseamento.

Lá fomos nós cinco recenseadores que foram: eu Jeremias Corrêa, Zotico dos Santos, Gabriel dos Santos, João Manoel de Oliveira e Rubens Cardoso.

Eu recebi mais, porque trabalhei mais, recebi Cr$ 2.000,00 por setor, por serem os meus três setores que somaram Cr$ 6.000,00, dinheiro que eu recebi das mãos do Pedro Mendes dos Santos, Nho Mendes que foi o responsável pela agência do IBGE em Iporanga, por quase toda sua vida.



Amigos do Jeremias: Nana, Perciliano e o João Manoel


Foi a pior viagem...

Um dia no começo do ano de 1961, logo após a frustração de não ter ainda recebido nem um tostão pelos serviços prestados ao VI Recenseamento Geral do Brasil, o Sílvio que trabalhava com a distribuidora de bebidas Galvão César, de Sorocaba me prometeu um emprego em uma serraria que ele tinha em Ponta Grossa. Com um dinheirinho, que eu tinha conseguido consertando rádios a válvulas; deixei Iporanga no dia 1 de fevereiro de 1961, rumo a Ponta Grossa, no vizinho estado do Paraná, segui às 8 horas de Iporanga, levando comigo uma pesada mala, depois de ter recebido as bênçãos de meus pais e despedido de meus amigos.

Assim peguei a jardineira para Apiaí, e as 10 horas da manhã eu cheguei naquela cidade, carregando aquela mala pesada, peguei o ônibus da Viação São Miguel e segui para Itapeva, onde cheguei às 14 horas, imediatamente tomei o Expresso Itararé e cheguei a Itararé naquele mesmo carrancudo dia 1 de fevereiro de 1961.

Anoiteci em Itararé carregando aquela mala cada vez mais pesada. Fui dormir na pensão de um português o Sr, José, a casa era um cortiço ao lado da Estação Sorocabana, onde no dia seguinte tomaria o trem para Ponta Grossa. A pensão era muito ruim, cheia de pulgas, nem acreditei quando o dia amanheceu para tomar o trem. Viajei naquele comboio ferroviário dia 2 de fevereiro de 1961, as 6 horas da manhã, e desde que eu saí de Iporanga até aquele momento eu não havia colocado nada no estômago, a não ser um cafezinho na pensão do Português em Itararé. Naquele expresso da rede de Viação Paraná-Santa Catarina, viajei em um vagão de segunda classe, e ao longo da viajem fiz amizade com um mineiro de nome Antonio, que parecia ser muito boa pessoa. Ele me pagou o almoço no trem.Naquela “Memorável viagem” ele me convidou para ir trabalhar com ele em Curitiba, por isso deixei Ponta Grossa para trás e rumei para Curitiba, o que foi a minha pior viajem. O trem chegou em Curitiba as 18 horas já era noite e debaixo de chuva, seguimos para a estação rodoviária que ficava ao lado da Catedral de Nossa Senhora do Rocio, em Curitiba.

O Antonio pediu me que o aguardasse e depois me levaria para a casa do cunhado dele ali em Curitiba, onde iríamos trabalhar juntos. Aquele dia chovia muito e por isso eu sentia muito frio. Era noite ainda de 2 de fevereiro 22 horas, eu naquela rodoviária fria esperando por aquele amigo que nunca mais vi. O que teria acontecido? Nunca saberemos! Não sei se me procurou ou não, vi o dia amanhecer naquela rodoviária, dormi sentado no banco ao sabor da brisa fria da capital paranaense, e assim vi chegar o dia 3 de fevereiro, e bem cedinho peguei o primeiro ônibus e fui para Paranaguá a procura de algum serviço, naquela manhã ainda chovia muito, e eu ali naquele lugar, quase sem dinheiro e sem nenhum conhecido. Ao meio dia, depois de passar por Morretes, cheguei a Paranaguá e fui direto para o cais. Caminhei sempre carregando aquela mala pesada, sempre ao meu lado não largava um só instante. Encontrei um serviço de pedreiro ali bem ao lado da Igreja de Nossa Senhora do Rocio. Eu ia trabalhar com o pedreiro Sr. Benedito,que me arranjou uma pensão naquela mesma praça. Era a pensão da Dona Maria, uma mineira de bom coração. Levei minha velha e pesada mala(amarela) para um quarto daquela pensão, paguei 3 dias adiantado a 5 cruzeiros por dia com café da manha e um prato de comida. Fiquei no porto de Paranaguá de 4 a 12 de fevereiro, na pensão da Dona Maria.

Trabalhei de servente de pedreiro do Sr. Benedito, um homem de 50 anos. Trabalhei todos aqueles dias a 5 cruzeiros por dia, até que no dia 14 a Dona Maria me avisou que o Sr. Benedito recebeu todo o dinheiro do patrão e se mandou foi embora e sem me pagar. Eu agora muito aborrecido e com pouquíssimo dinheiro, dormi mais uma noite na pensão. Acertei com a Dona Maria e muito triste e cansado, sai de Paranaguá no dia 15 de fevereiro, peguei o primeiro ônibus às 6 horas daquela manhã chuvosa.

Eu estava tão arrebentado, moído, cansado, que adormeci no ônibus, que em vez de eu ir direto e desembarcar em Curitiba, e quando o cobrador me acordou eu estava novamente em Paranaguá, em resumo eu não fui a lugar nenhum e ainda desperdicei o pouco dinheiro que tinha com a perda do dinheiro da passagem. A estas Alturas o relógio marcava meio dia, me lembro que era um domingo, eu muito triste, percebi que no meu bolso restou apenas 5 cruzeiros, e fiquei ainda mais aborrecido. Passava do meio dia, então eu fui para em frente a igreja onde sentei em um banco para estudar um jeito de sair daquele lugar (tirar um coelho da cartola).

Às 18 horas daquele domingo soaram os sinos daquela matriz, por um instante o toque me provocou, como se eu estivesse recebendo um chamado para conversão, pensei um pouco e fui na missa às 7 horas naquele dia( Quase como escreveu José de Alencar em A viuvinha: "Daí a pouco o sino da igrejinha da Glória começou a repicar alegremente; esse toque argentino, essa voz prazenteira do sino, causou-lhe uma impressão agradável. Vieram-lhe tentações de ir à missa". Sentado na igreja com o olhar dirigido para o Sacrário onde fica o Santíssimo eu pensei bem: não tenho dinheiro, nem um tostão, esmola não vou pedir, pois não sou capaz e estou há muitos quilômetros de Iporanga e aqui sem nenhum conhecido, eu acho que hoje vou dormir na rua. Coloquei meu ultimo 5 cruzeiros na sacola do ofertório da missa, fiquei liso, sem nenhum tostão no bolso. Passada a missa dirigi-me para a sacristia, deixei a vergonha de lado e falei com o sacristão do meu lado, perguntei se ele poderia atender um pedido para que me arranjasse um dinheiro emprestado para que eu pudesse ir embora. O sacristão disse: -- Espere um pouco aí. Eu fiquei ali um pouco aliviado e esperançoso; ele entrou em uma sala dentro da sacristia demorou um pouco e veio com uma nota na mão. Vi mais ou menos o algarismo cinco e imaginei que se tratava de uma cédula de 5 cruzeiros, a mesma que eu havia colocado na sacola da missa, mas me assustei quando notei que se tratava de uma nota de 500 cruzeiros!, Eu não acreditei! Falei ao sacristão que se tratava de um dinheiro emprestado pois era muito dinheiro. Pedi o endereço da igreja para reembolsar a tal quantia, mas ele disse que aquilo era uma ajuda e que eu não precisaria me preocupar, e que a igreja de Paranaguá sempre fazia esta ajuda.

Fui embora muito contente pois aquele dinheiro dava para eu ir embora sossegado, e foi o que fiz, porém, naquele dia 14 de fevereiro de 1960, ainda dormi na pensão da Dona Maria , imaginem a virada na situação de quem achava que aquela noite dormiria na rua.

Na manha do dia 15, segunda feira bem cedinho, eu paguei a Dona Maria e peguei o expresso Paranaguá-Curitiba e às 10 horas do dia 15 de fevereiro de 1961, eu já estava novamente na rodoviária de Curitiba, dali a uma hora eu embarquei no ônibus da empresa Nossa Senhora da Penha, Curitiba-Registro. Não pense que agora tudo já estava resolvido, pois naquela época não havia estrada ligando Eldorado a Iporanga, nem ligando a Regis Bitencourt com a Barra do Turvo, que ainda era distrito de Iporanga. Por isso quem estava na pista da rodovia federal, teria que enfrentar muitos quilometros, a pé, para chegar até Iporanga. Portanto naquele dia, as 4 horas da tarde, desembarquei do ônibus no posto Esso do Sr. Manoel Augusto em frente a trilha que para Barra do Turvo, no bairro rio Pardinho.
Coloquei minha pesada mala marrom nas costas e me mandei sozinho caminhando mata adentro. Quando começou a cair a noite, eu, muito cansado e sozinho chegava em um rancho no bairro Indaiatuba. Bati palmas, veio me atender um senhor muito bom, era o Dito Periquito, que naquele dia me ofereceu um bom jantar e uma cama de madeira forrada de folhas de palmeira, para eu dormir. Pensei bem e concluí, por essas localidades não vou passar fome. Eu tinha que percorrer a pé, da BR116, de Iporanga,passando pela Barra do Turvo, 60 quilometros, mais ou menos. Há essa altura eu e minha inseparável mala que eu carregava nas costas, já estava um pouco mais contente, pois já caminhava dentro do município de Iporanga, junto de um povo meu, e que eu conhecia muito bem.
No dia seguinte 16 de fevereiro, segui em frente, debaixo de chuva, subindo e descendo serra, sempre por atoleiros e caminhos muito ruins, por isso andava pouco por dia.
Caminhando em ntrilha no meio da mata primária, encontrei um cavaleiro com carabina nas costas, era um velho conhecido meu o Sr. Brasílio Mineiro, que me perguntou: -- O que tu andas fazendo por aqui? Seguindo em frente você vai chegar em minha propriedade ao lado do rio Pardo, já no bairro Sanharão, lá você peça um pouso para meu filho, o Gentil.
Chegando na casa do Sr. Brasílio, fui bem recebido, jantei, pernoitei com a família anfitriã, e no dia 17 bem cedo coloquei novamente os pés na estrada, andei o dia todo, e com mais um dia chegaria na Barra do Turvo, então andei mais meio dia com a grande mala alceada nas costas, até que finalmente, chego ao bairro da Onça, onde naquele dia, jantei e dormi na casa do meu amigo Gabriel Pedra. No dia 18 de fevereiro de 1961, com muita chuva saí do bairro Córrego da Onça, logo após o café oferecido pelo meu amigo Gabriel Pedra e ainda chovendo muito tomei o caminho da Barra do Turvo, onde cheguei as 11 horas.
O rio Pardo estava muito cheio, passei pela ponte do rio Turvo, após cruzar a vila, era meio dia. Não pude passar, o rio Fria, pois ele estava cheio e perigoso. Cortei atalho pela mata, e passei o rio Fria por uma pinguela improvisada. As 4 horas cheguei ao bairro Jacaré e muito cansado, e vendo a noite chegar, pernoitei na casa do meu amigo Otávio Ferro, um amigo meu daquela família dos Ferro lá do bairro Alecrim, no sertão dos Pilões, que veio morar no bairro Jacaré, a uma légua da Barra do Turvo.
Na manhã seguinte, dia 29, despedi-me do meu amigo anfitrião, e debaixo de chuva segui viajem rumo a Iporanga, viajando a pé, num rítimo de 10 quilometros por dia e quando notei que só me faltavam 10 quilometros para chegar, comemorei muito por estar no último dia da minha viajem de retorno para minha cidade, pois naquela tarde eu voltaria a ver o meu torrão natal, que deixei a menos de um mês.

Nhá Eugenia (Mamãe) conversando com o Paulo Branco.

Subi toda a serra das Andorinhas sem encontrar nennhuma pessoa em toda aquela área., foram 5 quilometros que percorri com passos lentos carregando minha pesada mala nas costas. Só ao meio dia consegui chegar no marco do alto da serra das Andorinhas, e como para descer todo santo ajuda, foi só despencar serra abaixo, e as 4 horas da tarde avistei o Porto da Balsa, onde era a travessia para Iporanga no rio Ribeira, ali reencontrei o meu cunhado que era o balseiro, de nome José Bernardo de Lima( Juca Balseiro, ou Juca Bernardo). Entrei com ele na balsa e atravessamos o rio Ribeira, que descia caudaloso. Chegamos na casa dele e minha irmã Rosa, na margem esquerda do rio, tomei um café com ela e depois segui para a casa de meus pais, pedi benção de minha mãe e fiquei aguardando a chegada do meu pai que estava trabalhando no armazém de sua propriedade localizado na rua Pedro Silva. Agora comodamente sentado na sala, era o momento de relembrar o velho clichê: "Lar docê lar".

Festa e futebol na Barra do Turvo


(Clique na foto para ver em zoom a ampliação e poder também ler as letras minúsculas da legenda dentro da imagem) Temos acima;imagem em frente a antiga igreja matriz de Barra do Turvo, nele vemos toda a essência da comunidade masculina da cidade nos anos 30 durante uma festa tradicional do mês de agosto, acompanhados do padre Primo Maria Vieira e ilustres visitantes de Iporanga, 1 2 3 4- As moças na janela esquerda são as irmãs Madalena e Escolástica(Filhas da D. Carlota do Barreiro) acompanhadas de suas amigas; 5 e 6 na janela direita c/ o sino o de roupa clara a direita é o José Sá; 16 Celso Cabeça (Sacristão Iporanguense, filho de Nha Efigênia, faleceu idoso em Capão Bonito); 18 Lauro Tavares( A esposa , D. Domingas e quase todos os filhos vivem em Iporanga); 26 João Martins dos Santos( Foi vice prefeito do Celso Descio em Iporanga e assumiu a prefeitura po dois anos); 38 Tertuliano ( Sabia imitar macacos muito bem); Severino (Iporanguense); 41 Silvestre ( juiz de futebol); 42 Mario Barbosa; 43 Vicente Alves; 44 João Tupi (João Batista, borracheiro morreu em acidente com pneu)51 Juca Juvenal (Iporanguense); 52 Manoel Pacheco; 53 João Elias; 54 Zacarias(Iporanguense residia na rua Carlos Nunes); 55 Damião Cardoso (Iporanguense); 56 João Franco; 62 Pedrico ( Pedro Mendes irmão de Nha Xilica esposa do Nho Atto dos Santos); 63 Graciano Franco(grande comerciante da Barra, tinha tropa com mais de 20 burros); 64 Celso Descio (prefeito Iporanguense); 65 Padre Primo Maria Vieira; 66 Bento Ricardo paranaense ( bairro das Ilhas); 67 Romoaldo ( irmão do Chico Ristela irmão do mais rico da barra, morreu de ulcera); 68 José Lucio(Iporanguense); 69 Chico Cardoso (foi prefeito em Iporanga); quinta fila; 72 Claudionor Armstrong cunhado do Chico Cardoso); 74 Arlindo Bau( pai do Lauro Tavares); 76 Antonio Moreira (tropeiro Iporanguense tio da Dona Ana Moreira); 83 Bernardo de Lima(Iporanguense); 88 Benjamim Mota (curandeiro, curava até tuberculose); 89 Laurindo Pedro (avo do Heros do mercado da Fátima); sexta fila; 70 José Francisco (Coronel, apelido que herdou de um soldado que tinha o nome igual ao seu); 71 Vitório; 72 José Tavares ( irmão do Lauro Tavares); 73 Benedito Anibal; 77 o garoto Renato Dias (morreu ainda menino); 78 Sebastião dos Santos; 80 Ditinho Silvestre (filho do árbitro de futebol); 79/82 dois irmãos do Sebastião; Mario/Chiquinho); 84 Dionisio; 86 Chico Elias; 88 Marco Cravo; 90 João Pacheco; 91 Julio Pacheco; 93 Juvenal Franco (do sertão dos Alemães, Rio Vermelho);


Na imagem acima de tom amarelado por ser uma foto antiga podemos ver um time de futebol em Barra do Turvo no ano de 1933. Em pé: 1 O menino Pedrinho Mendes filho do Pedro Mendes o Pedrico comerciante - 2 José Lúcio (Iporanguense) trabalhava no cartório da Barra - 5 Miguel Paca - 6 Pedro Mendes (pai) - 7 Zacarias - 8 Silvestre (Árbitro) - Sentados: 9 Ernesto Ferreira (Era domador de cavalos) - 10 Mario (do Teotonico) - 11 Gabriel Pedra - 12 José Saturnino (com o bebe, o filho Juquica que vive hoje em Iporanga) - 13 Lauro Tavares ( os familiares ainda residem na maioria em Iporanga)


Cidadãos da Barra do Turvo em 1937: da esquerda para a direita Antonio Gardino, José Tavares, Benedito Anibal, Francisco Florêncio, Lauro Tavares e Juvenal Jorge Franco


Bertolino, Graciano Franco, João Martins dos Santos e Lauro Tavares, em Barra do Turvo - 1951


Em 5 de agosto de 1961, depois das festas em Iporanga saímos de caminhão de Iporanga para festar na Barra do Turvo, íamos de Iporanga as 16 horas e chegamos na barra as 20 horas com muito frio. No meio daquela escuridão, porque lá não havia energia elétrica para iluminação da cidade e das residências e já passava das 23 horas quando nós, mais de vinte homens dormir sem cama e nem cobertor, sobre um piso de cimento em um armazém que nos foi cedido pelo vice-prefeito de Iporanga Sr. João Martins dos Santos, morador do distrito de Barra do Turvo e por sinal muito amigo nosso. No dia 6 bem cedo, sem poder dormir convidei uns amigos e seguimos a pé para Iporanga decididos desistir da festa e também deixamos para trás o velho caminhão Nash quebrado, não quisemos esperar o conserto. Eramos três na caminhada dos trinta quilômetros que liga as duas cidades, andamos quase que o dia todo só chegamos ao porto da balsa para Iporanga as 16 horas.


Na foto menor vemos o João Martins dos Santos, na maior o Pedrico puxa a calda da onça, e na cabeça, o Ito.






No dia 25 de maio de 1962 fomos para Barra do Turvo assistir um jogo de futebol entre a equipe daquela cidade e o time de Iporanga. Para viajar subimos na carroceria de madeira toda detonada do velho caminhão Nash encrencado da prefeitura municipal, que enguiçou, e nos obrigou a passar a noite( o que quer dizer não ter uma cama para dormir e sim literalmente, esperar a noite passar) em Barra do Turvo. A maioria voltou a pé para Iporanga, onde chegaram, moído e cansados já noite alta.(Não sei se foi dets vez mais dizem que numa destas viagens para a Barra disputar partida de futebol, os jogadores conseguiram o velho caminhão Nash da prefeitura.

Na foto a esquerda está o meu amigo Hugo, o festeiro, em uma festa do Divino com a Coroa do Imperador em Iporanga.

O motorista era o Pedrico, que dizem por ele ter arrumado um rabo de saia na Barra com quem havia acertado um programa para a noite toda, resolveu dar um nó na moçada, para isso simulou que a correia da hélice do radiador estava arrebentada, mostrou um pedaço de correia arrebentada que tinha no porta luvas, enquanto a original estava bem escondida, e ainda garantiu que pela manhã um fulano iria fornecer uma correia semi-nova para substituir a que quebrou. Na manhã seguinte pegou a correia que estava escondida e recolocou no motor como se estivesse substituindo a peça para fazer o reparo, e depois partiu com os poucos passageiros que ficaram rumo a Iporanga. Passado algum tempo, vazou a verdadeira história em Iporanga e o Pedrico ficou um longo tempo sem por a cara na rua, pois a moçada queria quebrá-lo a pau.) Para minha sorte desta vez meu amigo Hugo pagou uma cama para ele e outra para mim na pensão do Graciano Franco, onde também as refeições foram garantidas pelo meu amigo Hugo Maciel. Dormimos duas noites na Barra e retornamos para a tranquilidade das nossas casas.


Três viajantes rumo a Iporanga

No dia sete de agosto de mil novecentos e noventa e oito, eu Jeremias Corrêa, sai de Itapecerica da Serra no Estado de São Paulo com destino à Tatuí, a fim de me reunir com meu grande amigo Marcio , para realizarmos uma trilha na Mata Atlântica.
Cheguei na rodoviária de Sorocaba já a noitinha, onde o Marcio já me esperava e de carro e seguimos para sua casa em Tatuí, onde passei a noite. No dia seguinte muito cedo ainda, depois de um gostoso café, partimos para Itapetininga, onde chegamos ainda de madrugada, e nos reunimos com o nosso jovem amigo André, morador de Capela do Alto, que para adiantar a nossa viagem, nos aguardava em Itapetininga. O Marcio deixou seu carro em Itapetininga e as sete horas da manhã tomamos o ônibus do Expresso Amarelinho com destino à Guapiara, onde chegamos por volta das nove horas da manhã, e nos deparamos com um tempo ameaçando chover a qualquer momento. Tomamos um rápido cafezinho no bar da rodoviária de Guapiara e depois de informarmos sobre um meio de transporte para nosso destino, resolvemos tomar um táxi, que era a única solução naquele momento. O nosso taxista era bem humorado e enquanto conversávamos alegremente, aquelas paisagens que eu via através da janela me transportava lá pelos idos anos de mil novecentos e sessenta, onde exatamente a trinta e oito anos atrás num mesmo mês de agosto, por ali eu passava com destino à Iporanga. Deixamos para traz a fabrica de cimento e cal da Minercal, que de suas longas chaminés lançava para o ar uma enorme nuvem de fumaça negra, tingindo toda mata ao redor, e por volta das nove horas e trinta minutos daquela manhã com um céu já meio carrancudo, desembarcamos do táxi que nos conduzia e marcamos a direção de Iporanga, fomos descendo aquela cadeia de montanhas, à procura de uma antiga trilha de mata.
As mochilas do Marcio e do André eram grandes e pesadas, enquanto a minha era pequena e bem mais leve do que minha idade: sessenta anos. Levamos muita coisa em nossas bagagens para podermos subsistir na selva densa e escura que é a Mata Atlântica, levamos principalmente frutas e outros viveres além de um saboroso virado de carne preparado pela mãe do André, que não a conheço, mas, pelo sabor da paçoca deve ser uma excelente cozinheira. Exatamente as dez horas e quinze minutos chegamos à casa do Sr. José Ribeiro, genro do saudoso Joaquim Paulo, estes, moradores do Bairro Capinzal da Água Fria localizada nos contrafortes da Serra de Paranapiacaba, entre as divisas de Guapiara e Iporanga. Tenho boas recordações desta família que me acolheu muito bem quando aqui estive trabalhando para o recenseamento de mil novecentos e sessenta. O Sr. José Ribeiro já na casa dos setenta anos nos foi muito solícito e prontamente nos indicou o caminho à seguir, só que infelizmente não interpretamos muito bem suas palavras e quando ele nos disse para seguirmos a primeira bifurcação à direita foi o que fizemos, depois de nos certificarmos novamente com um outro morador de uma grande fazenda, o que não nos agradou muito, mas, acabamos seguindo suas instruções que eram a mesma do Sr. Ribeiro. Adentramos por uma trilha que seguia através daquela imensa fazenda e fomos constatando uma grande derrubada para o feitio de pasto para gado em pleno interior da Mata Atlântica. Sempre andando para Leste que era o nosso destino, continuamos caminhando pelo interior da fazenda, subindo e descendo morros, e atravessando atoleiros sem fim sob uma chuva torrencial. Chegamos em um grotão no meio da mata onde a trilha acabava, imediatamente voltamos para traz e tomamos outra trilha, e depois de caminharmos por alguns minutos nos deparamos com uma vaca morta próximo a trilha. A pobre vaca estava coberta de urubus e as arvores ao redor estavam apilhadas daqueles negros carniceiros. Depois de caminharmos mais um pouco acabamos chegando no mesmo lugar onde havíamos passado há duas horas atrás, e constatando que havíamos contornado toda extensão da fazenda num percurso de aproximadamente 8 quilômetros. Assim depois de termos andado perdidos por todo esse tempo, achamos o início da trilha que enfim adentrava no interior da pujante floresta e seguia sempre para Leste que era o nosso destino.

Depois de percorridos alguns quilômetros já sobre chuva intensa e um atoleiro descomunal, chegamos numa choupana abandonada próximo a um rio que não tínhamos certeza se era o Pilões ou o Ribeirão das Pedras. Ali sobre um bonito gramado próximo ao rio, descemos nossas mochilas e fizemos um lanche apreciando a beleza do lugar. Depois de tirarmos algumas fotos e descansarmos um pouco, nos pusemos em marcha novamente. Nessa altura já eram quase duas horas da tarde e fomos acompanhando o rio através de uma trilha muito difícil, porque não parava de chover um minuto sequer e nossos pés atolavam no barro o que nos causava um maior esforço para caminharmos. Passamos na crista de uma montanha onde pudemos observar ao longe o rio que tomava uma direção oposta a nossa. Até o momento, somando a nossa perdida na fazenda já tínhamos andado uns 30 quilômetros e o caminho se mostrava cada vez mais acidentado e difícil e eu sempre pensando em Deus e pedindo para nos dar forças para chegarmos ao destino, e mais força ainda a mim para poder ajudar meus amigos com suas pesadas mochilas. Estávamos ficando preocupados porque já eram quase cinco horas da tarde e não tínhamos encontrado ninguém para nos certificarmos se estávamos na trilha certa, foi quando nos deparamos com dois burros de palmiteiros amarrados junto à trilha, e chamamos pelos donos por alguns minutos e como não tivemos resposta continuamos seguindo em frente e cada vez mais preocupadas pela incerteza do caminho. Depois de mais alguns minutos de caminhada encontramos um placa branca fixada bem no meio da trilha, com os dizeres “Propriedade do Banco do Estado de São Paulo”, ficamos surpresos e alegres ao mesmo tempo, isso porque aquilo era sinal de moradores pelas cercanias. Aumentamos a marcha e começamos a margear um córrego que aumentava de volume a medida que avançávamos, o qual deduzimos ser um afluente do Rio Pilões, e logo a frente veio a confirmação. Depois de passarmos por um desfiladeiro demos de cara com o caudaloso Pilões a nossa frente. Naquela altura o rio fazia um tremendo barulho ao chocar-se contra as pedras e depois de uma longa curva ele acalmava-se e corria tranquilamente por entre a floresta. Escolhemos o melhor lugar para cruza-lo e continuávamos a caminhar, agora por entre uma floresta menos densa mas que tinha um população de palmitos jamais visto por mim e meus companheiros. Chegamos numa encruzilhada e decidimos seguir pela direita, mas logo a frente o caminho se mostrou difícil e resolvemos voltar agora pela esquerda. Saímos numa estrada aberta por trator de esteira, isso porque suas marcas estavam evidentes no chão, ainda não cobertos pelo mato. Nessa altura já eram seis horas e trinta minutos da tarde e a luz do dia já tinha desaparecido, agora somente a noite e a chuva que não parou um minuto sequer nos fazia companhia. Pelos nossos cálculos já havíamos andado 40 quilômetros e estávamos exaustos e com a moral lá em baixo devido a incerteza da nossa localização até o momento. Tínhamos que decidir qual direção a seguir, e como não havia pegadas para nenhum lado indicando a presença de algum morador pelo local, decidimos seguir pela direita, e lá fomos nós. O caminho começou a subir uma serra que não tinha mais fim e já bem desanimados encostamos num barranco sob um “Caraguatá” para descansarmos um pouco e ajustamos nossas lanternas. Continuamos seguindo pela estrada que não parava de subir e logo depois acabou no nada. Então constatamos que subimos quase dez quilômetros para sair em lugar algum.
Desanimados e muito cansados começamos procurar por um abrigo para passar a noite, pois, o relógio do Marcio já marcava nove horas e nós estávamos sem condição nenhuma de prosseguir. Achamos um lugar razoável sob um “taquaruçu”, onde o Marcio com seu facão improvisou um abrigo, ou um “bivaque” como ele disse, e, enquanto eu tentava acender uma fogueira, o André estendeu uma lona plástica sobre o chão, e depois de comermos alguma coisa , o Marcio e o André entraram dentro de seus sacos de dormir e eu deitei entre os dois me cobrindo com uma frágil capa de chuva e em vão tentamos dormir. Logo depois o Marcio se levantou e foi tomar um comprimido para dor de cabeça, e constatando que nossos cantis estavam vazios ele tomou água da chuva que se acumulava nas poças, e me disse que não havia perigo algum tomar aquela água, pois, já tinha feito a mesma coisa outras vezes quando se perdeu no sertão da Bahia. Podia-mos observar a lua minguante por entre as árvores de grande porte que nos envolvia, e, mesmo apesar da chuva constante que nos impedia de dormir, do outro lado daquele grotão escuro e úmido, nós escutávamos o berrar da “utanha”, e das touceiras de taquara vinha aquele barulho enjoado do “bagiguá”. Por volta das onze horas e trinta minutos daquela noite fria e chuvosa apagava-se a ultima brasa do fogo que fiz, há um metro de nossas cabeças, e, agora na escuridão da noite tínhamos apenas os vagalumes para nos dar um pouco de luz. Quando foi duas horas e trinta minutos da manhã, eu e o André levantamos para arrumar nossas mochilas, enquanto o Marcio, ainda permanecia deitado. Logo ele se levantou e rapidamente fez sua mochila e às três horas da manhã partimos serra abaixo à procura da trilha correta. Durante a descida da serra, no silêncio da madrugada nós tentávamos escutar ao longe um cantiga de galo lá pelas baixadas e assim fomos descendo serra abaixo. Passamos pelo local onde na noite anterior havíamos iniciado a subida e continuamos andando por uns três quilômetros, até que ouvimos o cântico de um galo é sinal que pessoas habitavam o local e repentinamente nos deparamos com um pequeno povoado de umas quatro casinhas, o qual pensamos ser o Bairro Maria Rosa. Na parede duma casinha vimos uma placa que dizia “Escola Municipal do Bairro Alecrim”. Chamamos pelos moradores das casas mais ninguém nos atendeu, então resolvemos instalar nossas redes numa área de uma casa abandonada e como ainda era cinco horas e trinta minutos da manhã dormimos até as sete horas e trinta minutos.
Já com o dia clareando fomos bater palma na casa de um provável morador e graças a Deus uma viva alma veio nos atender. Era o Sr. Jamar primo de um conhecido meu o Cipriano Férro, residente em Iporanga. Ele nos convidou à entrar tomar um café o qual não aceitamos devido ao estado de nossas roupas. Pedimos a ele informações de onde estávamos e qual caminho a seguir e então ficamos sabendo que estávamos no Núcleo Alecrim do Parque Estadual da Fazenda Intervales. O lugar ficava à quarenta e cinco quilômetros do Núcleo da Fazenda Intervales, próximo ao nosso ponto de partida e à trinta quilômetros do Bairro Maria Rosa, que fazia parte do nosso trajeto. Prontamente ele nos conduziu até a entrada da trilha e nos deu alguns detalhes do caminho para não nos perdermos mais e como gratidão o Marcio lhe deu um boné de presente. Nos despedimos do Sr. Jamar, e, com uma manhã um pouco melhor que a anterior com o sol já querendo brilhar, botamos o pé na trilha, agora com a certeza do qual caminho à seguir. O caminho continuava muito ruim e nossas mochilas pareciam cada vez mais pesadas, mas mesmo assim estávamos mais felizes, observado a beleza das arvores e dos pássaros que a todo momento cruzavam o nosso caminho. Depois de duas horas de difícil caminhada chegamos num lugar de nome “Formoso” onde numa clareira havia uma placa onde estava escrito “Fazenda Intervales - Núcleo Alecrim”. Subimos um morrinho e começamos a descer novamente de encontro ao Rio Pilões, que nesse ponto já estava bem mais caudaloso. Desde a casa do Sr. Jamar até este ponto fomos seguido por um cachorrinho amarelo, que se deliciava com as bolachas que o André lhe atirava. Atravessamos novamente o rio com água até o pescoço e logo do outro lado da margem eu reconheci o lugar que eu havia passado a muito tempo atrás. Já estávamos num lugar chamado Peixal foi quando olhamos para outra margem do rio e vimos o cachorrinho amarelo chacoalhando a calda e nos olhando com aqueles olhinhos brilhantes com medo de atravessar o rio ele ficou para traz e não sabemos o que lhe aconteceu depois. Com o Rio Pilões à nossa esquerda, continuamos a subir e descer serras sempre por caminhos ruins foi quando por volta de meio dia encontramos um homem com seus três filhos consertando uma ponte que se rompera com a chuva, e fomos por eles informado que o Bairro Maria Rosa ficava a menos de duas horas de caminhada, sempre margeando o rio, o que muito nos animou. Apesar desse trecho do percurso ser muito montanhoso, dificultando a caminhada, nós não desanimávamos, apesar de nosso visível cansaço, aumentamos ainda mais o nosso passo. Nos acompanhava sempre o barulho do Rio Pilões que fazia o seu barulho característico conforme descia serra abaixo. Andamos mais um pouco e logo adiante avistamos um campo de gado e logo abaixo uma casinha, onde nos dirigimos e uma senhora nos informou que o povoado Maria Rosa faca a dez minutos dali. Próximo a casa desta senhora, eu, pela primeira vez nos meus sessenta anos vi um “Sauveiro” no município de Iporanga. Tiramos algumas fotos dum monjolo de farinha existente no local e logo depois chegamos no Bairro Maria Rosa. Até aquele momento, uma hora da tarde, domingo nove de agosto, tínhamos andado oitenta quilômetros, desde o Capinzal da Água Fria em Guapiara, de onde havíamos partido no dia anterior.
Chegamos numa casa onde fomos recebidos por três senhoras que estava conversando distraidamente e se espantaram com nossa chegada. Nos serviram um delicioso café, o qual me deixou boas recordações. Depois de alguns minutos de conversa, chegou dois homens e me pediram que eu “queimasse” um rojão em comemoração a Santa do dia, e eu logo a fiz em respeito a gratidão daquela gente. Fomos informado que dali até o rio Ribeira de Iguape, onde tínhamos que ir, tinha mais vinte cinco quilômetros, por uma estrada um pouco melhor daquela que tínhamos trilhado até o momento. Nos despedimos do pessoal do Bairro Maria Rosa e seguimos adiante por uma estrada tortuosa e cansativa. Nessa altura nós já estávamos muito cansado e o Marcio com o joelho dolorido devido a uma operação de três meses atrás, e o André com bolhas no pé, diminuíram o ritmo da caminhada, até que repentinamente numa encruzilhada me aparece montado numa mula um velho conhecido meu, era o Jango, filho do Alfredo de quem guardo boas recordações do idos anos sessenta quando por ali passei. Ele se ofereceu a levar nossas mochilas até uma bifurcação mais adiante, e rapidamente concordamos. Fomos a pé, conversando com o Jango, quando repentinamente o Marcio tirou as botas e caminhou alguns quilômetros por aquela estrada cheia de pedras só de meias, a fim de aliviar seu s pés que segundo ele estavam em brasa. Chegando na encruzilhada do Porto dos Pilões depois de uma serra difícil de subir, nos despedimos do Jango, que foi com nós muito amável e assim pegamos nossas mochilas e seguimos serra acima, rumo ao poço grande onde tentamos atravessar o Ribeira de canoa. Depois de alguns quilômetros de caminhada rumo ao Ribeira, nos apareceu um bondoso homem de nome “Zé do Eldorado” que humildemente nos ofereceu sua mula para carregar nossas mochilas. Assim, logo depois o André também foi carregado pela mulinha, devido aos ferimentos no seu pé. Chegando em frente a casa do seu Zé, o André deu lugar ao Marcio no lombo da provincial mulinha e eu bastante cansado segui o último quilômetro até o rio a pé, uma vez que minha mochila estava bem mais leve que a de meus companheiros. Por volta das oito horas e trinta minutos daquela noite de domingo chegamos as margens do Rio Ribeira, já bem próximos de Iporanga, e conseguimos atravessa-lo de canoa para outra margem, onde um rapaz, filho do Haroldo meu conhecido, nos deu uma carona em seu carro até Iporanga que já estava logo ali. Assim termino esta narrativa de nossa difícil caminhada pelos sertões do Vale do Ribeira, onde em dois dias percorremos mais de cem quilômetros por íngremes e difíceis trilhas de florestas ainda inóspitas e belas que abrigam as mais variadas formas de vida que muitos ainda nem conhecemos.

Itapecerica da Serra, dose de agosto de mil novecentos e noventa e oito. por: Jeremias Corrêa


Perdidos na Serra
do Monte Negro

Aconteceu num sábado, dia onze de Abril de mil novecentos e noventa e oito, quando eu, Jeremias Corrêa e meu amigo Marcio Vieira, morador da cidade de Tatuí no Estado de São Paulo, decidimos fazer um passeio no Bairro Maria Rosa, situado no Vale do Rio Pilões, no município de Iporanga. As sete horas da manhã com o sol já brilhando na ponta da serra, deixamos Iporanga e iniciamos a subida da Serra do Baú, onde depois de contorná-la, chegamos numa bica d’água, que descia da Serra do Tudo, onde nos refrescamos e tiramos algumas fotos com o majestoso rio Ribeira de Iguape ao fundo. Logo em seguida iniciamos a caminhada e por volta das nove horas e trinta minutos chegamos na casa do Sr. Augustinho, velho morador do lugar, que não estava em casa naquele momento, estava num trabalho de roçada de caminho no bairro Caracol, mas, fomos recebidos por sua esposa Dona Felicidade, que amavelmente nos prestou informação de qual rumo a seguir para o bairro Maria Rosa, o qual seria o nosso destino. Disse nos ela que deveríamos deixar o caminho que até o momento vínhamos fazendo e logo atrás tomarmos outra direção, no sentido do bairro Caracol, isso porque até o momento tínhamos andado sempre para o Oeste, pois o bairro Maria Rosa ficava naquele sentido, mas o caminho que ela nos indicou apontava para Leste que para nós era o oposto ao sentido do nosso destino, sendo assim, resolvemos por minha decisão continuar seguindo o mesmo caminho que apontava para a Serra do Tudo acima, e continuamos subindo por um velho campo de gado, e depois de passarmos por várias cercas de arame farpado chegamos na Ponta do Espigão.
Depois de procurarmos alguma picada na entrada da mata, acabamos achando indícios de tráfego de pessoas e animais que seguiam para o Norte e acabamos seguindo aquele caminho que cada vez mais adentrava numa floresta espessa e escura, que percorria somente pontas de serra e cada vez mais se apresentava difícil de percorrer e perigosa, pois em momento algum encontrávamos água e nem sinal de pessoas morando pelas redondezas. Depois de termos andado por mais de vinte cinco quilômetros em sentido contrário ao nosso destino, constatando o que já suspeitávamos: que o bairro Maria Rosa ficava à nossa direita ou seja à Leste como nos tinha explicado Dona Felicidade. Nessa altura nossos cantis já estavam completamente vazios e até o momento não tínhamos cruzado nenhum rio para podermos nos refazer e enchermos os cantis. Foi então que ouvimos ao longe o barulho d’água e continuávamos seguindo em frente, em busca de água pois nossas gargantas já estavam completamente secas. Paramos por um momento e decidimos comer alguma cosa, mas, nossa boca não aceitava nem uma deliciosa “Paçoca de Carne” que o Marcio trouxera de Tatuí, e ali mesmo deixamos aquela comida no chão da floresta para os bichos se deliciarem e assim diminuir um pouco o peso de nossas mochilas. Descansamos por mais alguns minutos e quase cambaleantes levantamos e fomos em busca de água. Por volta das duas horas e trinta minutos da tarde chegamos ao riacho, onde matamos nossa sede e enchemos os cantis d’água. Sabendo que em minutos tentando em vão procurar uma saída, e então decidimos o que tínhamos de ter feito seis horas atrás; ou seja voltar tudo para traz. Como já era quase 3 horas e não seria possível fazermos o percurso de volta durante o dia e só contávamos com uma lanterna, tínhamos agora que contar com a sorte também.

Voltamos até o riacho e resolvemos descer rio abaixo, pensando encontrar algum indício de morador ao longo daquele rio que despencava montanha abaixo, mas nada encontramos além de pernilongos e pedras lisas e escorregadias e um rio cada vez mais encachoeirado impedindo que continuássemos.Desanimados e extremamente cansados voltamos ao ponto de partida, malhados até a alma, iniciamos a jornada de volta, foi quando nos deparamos com recentes rastos de patas de onça, que sentindo o nosso cheiro tinha acabado de estar no local a nossa procura, pois sentíamos a todo instante a sua presença. Graças a Deus o tempo estava muito bom e em nenhum momento ameaçou chover, e podíamos ver o sol entre os altos galhos das árvore, o que muito nos orientou naquele inóspito sertão. Paramos para descansar e novamente deparamos com a enorme pisada da Jaguarana que acabava de estar no local, mas não demos muita importância, pois estávamos tão exaustos, que nenhum animal que nos rodeava era notado, devido nosso deplorável estado. Dividimos o peso de nossas mochilas e com passos leves, cambaleando sobre buracos, troncos de árvores e lama continuávamos andando. Eu sempre pensava em outra ocasião, quando também me perdi durante o recenseamento de mil novecentos e sessenta, mas naquele tempo eu era jovem e desta vez meu companheiro Marcio é ainda bastante jovem e forte e eu já com sessenta anos.
Continuávamos andando de volta até que a noite chegou e nos pegou em plena selva, onde sempre notávamos indícios da Jaguarana nos rondando, assim já muito escuro sobre a luz do farolete de meu incansável amigo Marcio, começamos a perceber que estávamos chegando onde há quase doze horas atrás havíamos adentrado na floresta e minutos depois avistamos o campo de gado que brilhava com a claridade da lua cheia daquela linda noite de um sofrido sábado de abril. Ali mesmo nos jogamos ao chão e deitamos no capim braquiara, contemplando o luar que nos iluminava a face e nos devolvia a alegria novamente, pois até o momento tínhamos estado muito tensos devido as dificuldades que tínhamos passado.

Dona Felicidade e Sr. Augustinho.

Logo em seguida levantamos e seguimos em direção à casa do Sr. Augustinho que ficava a menos de três quilômetros dali. Chegando lá ele nos acolheu calorosamente e ouviu com atenção e apreensão a nossa história e depois que terminamos de contá-la ele deu uma longa gargalhada e nos disse: “Vocês estavam perdidos na Serra do Monte Negro, ali só passa onça e palmiteiro”. Passamos aquele resto de noite na casa daquela bondosa família que nos acolheu e nos ofereceu sua melhor cama para que pudéssemos descansar e na manhã seguinte eu e meu amigo Marcio, levantamos e tomamos um gostoso café servido pelo Sr. Augustinho que sempre fazia algum comentário e ria gostosamente de nossa aventura na mata.
Nos despedimos do casal Augustinho e Felicidade e com o sol já alto daquela manhã de domingo subimos a Serra do Baú com destino à Iporanga.
Para mim este ocorrido serviu de lição, pois me julgo culpado pelo nosso sofrimento, por não ter atendido e respeitado as orientações de Dona Felicidade que solicitamente nos havia indicado o caminho correto.

Assim, eu Jeremias Corrêa, narrei essa história verdadeira,
sofrida por mim e meu amigo Marcio Vieira, no município de Iporanga em
onze de abril de mil novecentos e noventa e oito.

Imagens das trilhas - Marcio - www. markejodan.com.br


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